Mudanças climáticas e a transição energética: a matriz energética brasileira é limpa?

Artigo de Eric Gil Dantas*
Em discursos internacionais, representantes brasileiros costumam conclamar que o Brasil já tem uma matriz energética limpa, sendo uma referência para os outros países. Isso é verdade, em termos comparativos, o Brasil realmente tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, sem que isso obviamente exima o país de promover e acelerar a sua própria transição energética.
A matriz energética de um país é o conjunto de todas as fontes de energia disponíveis e utilizadas para suprir as suas demandas em diferentes setores da economia e da vida cotidiana, como transporte, indústria, comércio, agricultura e residências. Ela inclui fontes renováveis, como a energia solar, eólica, hidráulica e biomassa, e fontes não renováveis, como o petróleo, o carvão mineral, o gás natural e a energia nuclear. A composição da matriz energética de um país se constrói historicamente a partir da disponibilidade de recursos naturais, tecnologia, políticas energéticas e preocupações político-ambientais.
Já a matriz energética elétrica, por sua vez, é um subconjunto da matriz energética total e se refere especificamente às fontes utilizadas para a geração de eletricidade. Enquanto a matriz energética como um todo contempla todas as formas de uso da energia, a matriz elétrica foca apenas na produção de energia elétrica, que é distribuída por redes e consumida em residências, indústrias e serviços.
A matriz energética mundial ainda é muito baseada em combustíveis fósseis, com 30,2% de petróleo e derivados, 27,6% de carvão mineral e 23,1% de gás natural. Ao todo, 14,3% da matriz energética global teve como origem combustíveis fósseis. No Brasil, isso é diferente. Apesar da fatia de petróleo e derivados ser quase idêntica à global, com 35,1%, o nosso país tem como as outras duas fontes mais importantes os derivados de cana-de-açúcar (biocombustíveis), com 16,8%, e a hidráulica (12,1%). Em termos gerais, 47,4% da matriz energética brasileira é renovável.
A participação de carvão, apesar da maior relevância no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, é muito pequena a nível nacional, com apenas 4,4%. Chama a atenção o peso da Lenha e Carvão Vegetal, que apesar de serem fontes renováveis e não fósseis, é injusta do ponto de vista da democracia energética e geradora de alto nível de poluentes (dentro e fora das residências).
Figura 1 – Matriz Energética do mundo e do Brasil por fonte

Fonte: EPE
A matriz energética elétrica global também é fortemente fóssil. A principal fonte geradora de energia elétrica no mundo é o carvão, seguida pelo gás natural. Isso retrata bem a estrutura elétrica das maiores economias do mundo: EUA, China, Alemanha, Índia, Rússia, Japão e Reino Unido. No mundo, 70,5% da energética elétrica é gerada por combustíveis fósseis.
No Brasil a situação é oposta, principalmente por conta das hidrelétricas, que fornecem 59% da energia elétrica do país. As fontes eólica e solar também vêm crescendo exponencialmente, e juntas foram responsáveis por mais de 20% da oferta de energia elétrica em 2024. Atualmente, 86,1% da matriz energética elétrica do Brasil é renovável.
Figura 2 – Matriz energética elétrica do mundo e do Brasil por fonte

Fonte: EPE
No entanto, essa matriz energética brasileira mais “limpa” não se construiu sem muitos problemas embutidos. A construção de hidrelétricas, embora ofereça uma fonte de energia renovável e de baixa emissão de carbono durante a operação, vem associada a graves impactos ambientais e sociais. Isso ocorre pois grandes usinas são erguidas em áreas de floresta e rios de ampla biodiversidade, gerando alagamento de vastas áreas, que leva à destruição de ecossistemas, perda de biodiversidade e emissão de gases de efeito estufa pela decomposição da matéria orgânica submersa. Do ponto de vista social, temos deslocamento forçado de populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas, resultando na perda de modos de vida tradicionais e agravamento de conflitos socioambientais.
Por exemplo, a usina hidrelétrica de Itaipu, inaugurada em 1984, é sozinha responsável por 9% do total de energia elétrica consumida no país, no entanto, sua construção provocou o alagamento de vastas áreas, incluindo as Sete Quedas do Paraná, e o deslocamento de milhares de pessoas. Mais recentemente tivemos o caso da usina de Belo Monte, no Pará, que afetou comunidades indígenas e alterou profundamente o fluxo do Rio Xingu.
Novos projetos de hidrelétricas geram mais problemas do que soluções. Sendo assim, o Brasil precisa avançar na descarbonização de sua matriz energética elétrica expandindo fontes como a solar, eólica, biomassa e hidrogênio, que também tem seus problemas, mas menores do que a expansão hidrelétrica.
*Eric Gil Dantas é economista do Ibeps (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais)
** Este artigo é a segunda parte de um especial sobre as mudanças climáticas. Acesse a primeira parte Mudanças climáticas e a transição energética – parte 1 em https://sindppd-rs.org.br/mudancas-climaticas-e-a-transicao-energetica-parte-1/
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