Alerta na TI pública: privatização da Celepar é mais um capítulo do desprezo pelo patrimônio público

Artigo de Eric Gil Dantas, economista do Ibeps (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais)
e de Vera Guasso, secretária-geral do Sindppd/RS
Apesar de a onda federal de privatizações ter cessado — da qual o Serpro e a Dataprev se livraram após muita luta, assistimos à sua continuidade em âmbito estadual. O que Eduardo Leite vem fazendo no Rio Grande do Sul (com a privatização da Corsan, Sulgas e CEEE) também ocorre em outros estados, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Paraná, onde discutiremos o processo de venda da Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do estado paranaense, a Celepar.
Ao longo da história, o estado do Paraná criou empresas estatais eficientes e de grande prestígio nacional e internacional, como a Copel, a Copel Telecom, a Sanepar, a Celepar, os Portos do Paraná e a Ferroeste. No entanto, o governo Ratinho Jr. tem vendido o que encontra pelo caminho, como já ocorreu com a Copel, uma das melhores empresas de energia do Brasil, e com a Copel Telecom, então dona da melhor internet do Paraná. Esse também será o destino da Celepar, cuja privatização foi aprovada pela Assembleia Legislativa no mês passado.
A Celepar foi criada em 24 de setembro de 1964 com o nome de Centro Eletrônico de Processamento de Dados do Paraná, sendo a primeira empresa pública de tecnologia da informação no Brasil. Hoje, ela conta com 1.115 empregados, que recebem um salário médio de R$ 9.700, valor 32% superior à média nacional do setor de processamento de dados.
A Celepar foi e ainda é responsável por inovações fundamentais no serviço público estadual, como o Registro Geral dos paranaenses, cadastros eleitorais, endereços eletrônicos dos servidores públicos e o portal de serviços do estado.
O último grande produto da Celepar foi o Paraná Inteligência Artificial (PIÁ), lançado em 2019. Essa plataforma digital integra diferentes sistemas e bases de dados governamentais, permitindo que os usuários obtenham informações e realizem serviços de maneira mais ágil e personalizada, tanto pelo portal web quanto pelo aplicativo móvel. Atualmente, o programa abrange 5.159 serviços federais (como consulta ao CPF, à regularidade eleitoral, agendamento do INSS e consulta PIS/Pasep), 698 serviços estaduais (como Detran, Nota Paraná, consulta a boletins escolares, carteira de vacinação digital e agendamentos na Saúde e Defesa Civil) e 18 serviços municipais (como IPTU, ISS e serviços de Educação e Saúde). O PIÁ prova que a Celepar segue viva, inovadora e essencial à boa e eficiente prestação de serviços públicos no estado.
Mas não é com isso que o governo Ratinho Jr. está preocupado. Como de costume, o governo não apresentou nenhuma justificativa real para privatizar a empresa. Os argumentos públicos beiram delírios (ou cinismo, dependendo da interpretação do leitor). Segundo matéria do governo, o “Estado pode ter uma grande Gov Tech, gerando empregos de TI locais” e compara situações como os produtos vendidos pela Microsoft, Amazon e ChatGPT ao governo americano.
Na realidade, o governo do Paraná criará um monopólio privado contra si mesmo. Apesar de o projeto sancionado exigir que as infraestruturas físicas de armazenamento e processamento de dados existentes permaneçam no estado pelos próximos dez anos, a tendência é que, depois disso, migrem para outro local mais barato, resultando na perda de uma grande empresa estadual.
Além disso, enfrentamos os mesmos riscos que acompanham a privatização de qualquer empresa pública de tecnologia da informação:
Perda da soberania do governo
Em caso de inadimplência, desacordo comercial com a nova empresa privada ou qualquer desavença, o governo paranaense pode ter o acesso a seus dados e serviços bloqueado.
Caos na administração pública
Podem ocorrer problemas como bloqueio da emissão de notas fiscais, emplacamento de veículos, fiscalização nas estradas, pagamento de pensionistas e realização de perícias médicas.
Violação e má utilização de dados
Se o controle dos dados sair das mãos do Estado, não há garantias de que não sejam vazados, comercializados ou divulgados publicamente.
Aumento da dependência tecnológica
Empresas públicas de TI são criadoras de novas tecnologias e estão em constante aperfeiçoamento e inovação. Trata-se de um dos setores mais relevantes da economia mundial. Por que abrir mão de uma empresa que opera na fronteira tecnológica global?
Monopólio privado no setor de TI
A privatização em um setor que demanda investimentos bilionários tende a gerar monopólios ou oligopólios privados, aumentando os preços e restringindo a oferta de serviços essenciais à sociedade.
Estagnação da inovação na administração pública
Exemplos como o PIÁ mostram que a administração pública do estado depende de empresas como a Celepar para suas maiores inovações tecnológicas. Qual é o sentido de abrir mão desse patrimônio e arriscar a depender de uma empresa privada qualquer?
O caso da Celepar evidencia que a luta pela manutenção de empresas públicas estratégicas é um desafio contínuo. Exemplos disso podem ser observados em Porto Alegre, com a Procempa (empresa pública de TI do município), e no Rio Grande do Sul, com a Procergs (empresa pública estadual de TI), que frequentemente sofrem ataques dos governos estadual de Eduardo Leite e de Porto Alegre de Sebastião Melo, arriscando a perda de serviços importantes e da soberania sobre dados estratégicos. A pressão de empresários sobre presidentes, governadores e prefeitos para entregar o melhor do patrimônio público é constante.
Além de irresponsabilidade é uma grande falta de compromisso com a população. Estão colocando o país de joelhos aos interesses financeiros destes grandes fundos. Um país como o Brasil, quinto maior em extensão territorial deste planeta, repleto de riquezas e potencial humano, entregando a soberania e a capacidade de desenvolvimento desta maneira. Uma vergonha!!